Uma amiga me passou por e-mail, dois textos de Danusa Leão, que chegaram irremediavelmente numa hora apropriada da minha vida...Afinal tou numa fase de devorar livros e escritos a qualquer momento, como tentativa de preencher o tempo e também ajudar a mudar alguns paradigmas...e encontrar algumas respostas (aquelas que não estão dentro de mim). kkkkk
Acima faço a postagem do grande amor da minha vida...FANNY. Ela se foi, mas enquanto viva me ensinou o que é o amor incondicional...
Li e adorei... pura realidade.
Beijaummmm
TEM SOLUÇÃO? TALVEZ
"OUTRO DIA combinei de jantar com uns amigos; nos encontraríamos diretamente no restaurante às 10h. Mas sabe aquele dia em que você não está muito bem? Para dizer a verdade, está mal?Quando se está assim a pele fica sem brilho, o cabelo fica ruim, mas você pensa: chego lá, tomo uma bebida, e quem sabe, tudo pode melhorar. Peguei um táxi, mas o trânsito estava ruim, tudo parado. Olhei para o lado direito, uma calçada vazia; à esquerda, um ônibus, também parado; o motorista, jovem, olhou umas duas vezes para o relógio. Alguém devia estar esperando por ele, pensei. E pensei também no meu quase tédio, indo para um restaurante caro, cuja conta seria provavelmente mais alta do que seu salário de um mês e onde ele jamais poria os pés.Fiquei pior.Como seria a vida daquele motorista? Se às 10h da noite ele ainda estava trabalhando, devia começar lá pelas 2h da tarde -e provavelmente fazia um biscate na parte da manhã.Devia morar longe, tendo que largar o ônibus e pegar uma condução para chegar em casa, o que aconteceria lá pelas 11h. A essa hora a mulher talvez já estivesse dormindo, e ele ia ter que fazer um prato e botar para esquentar antes de cair na cama, morto de cansaço e sem ter nem com quem conversar.O que será que aquele motorista pensava da vida? Que era assim mesmo que tinha que ser? Ou teria planos, planos de poder ir a um restaurante de vez em quando, tomar uma cerveja, voltar para casa, abraçar a mulher com muito amor, sabendo que no dia seguinte ia poder acordar mais tarde, botar uma bermuda e ficar em casa de bobeira, vendo qualquer coisa pela televisão?De toda maneira, ele certamente estava melhor que eu. O trânsito não andava, e eu só prestava atenção no motorista. Ele estava tranquilo, cumprindo sua obrigação, sem nenhum sinal de impaciência; apenas vivendo sua realidade, sem pensar em muita coisa a não ser no trânsito, que não era para estar assim parado àquela hora. Teria acontecido algum acidente? Não, era só porque tinha começado a chover. Os carros começaram finalmente a andar, e cheguei para o meu encontro. O bar era moderno, aliás moderníssimo, os sofás, de couro, e a música que tocava, absolutamente insuportável. Tomei o primeiro drinque rápido, o segundo mais devagar, mas não consegui entrar no clima. Num espaço muito curto de tempo tinha vivido em dois mundos, não sabia qual era o real, e sentia que não pertencia a nenhum dos dois.Ao do motorista, certamente que não; ao do bar onde estava, tão sofisticado e tão chique, também não.Então não pertencia a mundo nenhum? E alguém pertence a algum?Algumas pessoas são assim; em certos momentos têm a ilusão de fazer parte de um grupo, seja ele político, intelectual, boêmio, de meditação, ou a qualquer outro, mas nunca conseguem. Elas sabem que somos todos fundamentalmente sós, embora procuremos durante todo o espaço de uma vida negar essa realidade, que nem chega a ser triste, é apenas a realidade. Quanto esforço elas fazem -fizeram- para se encaixar em algum desses universos sem nunca conseguir; e será que alguém consegue? De verdade?As pessoas às vezes se sentem irremediavelmente sós; mas basta um dia encontrar um novo amigo, um novo amor, para o mundo ficar mais bonito e a vida voltar a valer a pena.É isso que se procura e às vezes encontra; e quando acontece, é bom demais."
A DISTÂNCIA AJUDA
"COMO são bonitas as coisas vistas à distancia, e como perdem o encanto quando vistas de perto. Você já entrou num restaurante de luxo às 8h da manhã? Aquele lugar onde você vai toda linda tomar seu drinque, comer bem e até fazer um certo charme, de manhã é outro mundo, com cadeiras amontoadas em cima das mesas, a cozinha numa total desordem, às vezes até suja, e os empregados -a turma da manhã não faz rapapés, como os outros- esfregando o chão, passando álcool nos copos, e as latas de lixo cheias de flores murchas; uma deprê, eu diria.Isso não acontece só com lugares, mas também com pessoas. Você acha lindo aquele intelectual charmoso, de camisa jeans, mocassim sem meias e olheiras imensas de tanto pensar nos mistérios da vida e na essência do ser humano.Só que as razões de seu olhar tão denso podem ser outras: ele pode estar pensando no cheque especial estourado, no carro que está precisando ser trocado e na conta do cartão de crédito que deve vir altíssima, pois sempre pagou sem nem olhar, faz parte do personagem. E você, que imaginou razões mais românticas para tanta profundidade, quebrou a cara.E depois de ter sido tanto tempo apaixonada por Sinatra, e ainda ser -o que é a morte, diante do amor?-, ler numa revista que ele usava uma peruquinha, é uma tristeza. Você sabia, como todo mundo, desse aplique, chamemos assim, mas não queria saber, porque quem ama não quer saber de nada, a não ser se for obrigada. E como seria Sinatra em casa? Passaria os dias cantarolando "My Way" e "Strangers in the Night", como você, em seus delírios, imaginava, ou era alguém meio ranzinza (me recuso a chamá-lo de velho), que reclamava da comida e passava os dias de pijama e robe, a léguas de distância do cantor de olhos azuis que fez seu coração bater tanto?Se morasse com ele, não haveria lugar para a ilusão, e sem ela a vida fica bem sem graça. Quem já entrou em um estúdio de TV ou de cinema e assistiu a uma gravação ou filmagem se horrorizou ao ver o que acontece por trás das câmeras, e talvez nunca mais assista a uma novela ou, pior ainda, a um filme.É aquele mundo de gente correndo, falando alto, o diretor tentando botar ordem na bagunça, e os cenários -ah, os cenários!- feitos de compensado e papelão, as flores de plástico, as atrizes com o roteiro na mão lendo alto suas falas, tudo de mentira, mentira na qual você e a humanidade sempre acreditaram. Nunca entre em nenhum bastidor de nada, para poder continuar acreditando no que vê. E aquele escritor que você adora?Você, que nunca perdeu seus lançamentos, ficou na fila para pegar um autógrafo, e não perde um só dos artigos que ele às vezes escreve nos jornais, ficaria decepcionada se o visse diante do computador, dizendo "ah, estou sem assunto", ou "estão faltando 20 linhas e não sei como vou terminar". Seria uma decepção.Ou nos atiramos de cabeça para o que der e vier, e é assim que, dizem, se deve viver, ou guardamos uma certa distância das coisas e, sobretudo das pessoas, para poder continuar preservando alguma ilusão diante da vida, Mas será por aí? E será que vale a pena?"
"COMO são bonitas as coisas vistas à distancia, e como perdem o encanto quando vistas de perto. Você já entrou num restaurante de luxo às 8h da manhã? Aquele lugar onde você vai toda linda tomar seu drinque, comer bem e até fazer um certo charme, de manhã é outro mundo, com cadeiras amontoadas em cima das mesas, a cozinha numa total desordem, às vezes até suja, e os empregados -a turma da manhã não faz rapapés, como os outros- esfregando o chão, passando álcool nos copos, e as latas de lixo cheias de flores murchas; uma deprê, eu diria.Isso não acontece só com lugares, mas também com pessoas. Você acha lindo aquele intelectual charmoso, de camisa jeans, mocassim sem meias e olheiras imensas de tanto pensar nos mistérios da vida e na essência do ser humano.Só que as razões de seu olhar tão denso podem ser outras: ele pode estar pensando no cheque especial estourado, no carro que está precisando ser trocado e na conta do cartão de crédito que deve vir altíssima, pois sempre pagou sem nem olhar, faz parte do personagem. E você, que imaginou razões mais românticas para tanta profundidade, quebrou a cara.E depois de ter sido tanto tempo apaixonada por Sinatra, e ainda ser -o que é a morte, diante do amor?-, ler numa revista que ele usava uma peruquinha, é uma tristeza. Você sabia, como todo mundo, desse aplique, chamemos assim, mas não queria saber, porque quem ama não quer saber de nada, a não ser se for obrigada. E como seria Sinatra em casa? Passaria os dias cantarolando "My Way" e "Strangers in the Night", como você, em seus delírios, imaginava, ou era alguém meio ranzinza (me recuso a chamá-lo de velho), que reclamava da comida e passava os dias de pijama e robe, a léguas de distância do cantor de olhos azuis que fez seu coração bater tanto?Se morasse com ele, não haveria lugar para a ilusão, e sem ela a vida fica bem sem graça. Quem já entrou em um estúdio de TV ou de cinema e assistiu a uma gravação ou filmagem se horrorizou ao ver o que acontece por trás das câmeras, e talvez nunca mais assista a uma novela ou, pior ainda, a um filme.É aquele mundo de gente correndo, falando alto, o diretor tentando botar ordem na bagunça, e os cenários -ah, os cenários!- feitos de compensado e papelão, as flores de plástico, as atrizes com o roteiro na mão lendo alto suas falas, tudo de mentira, mentira na qual você e a humanidade sempre acreditaram. Nunca entre em nenhum bastidor de nada, para poder continuar acreditando no que vê. E aquele escritor que você adora?Você, que nunca perdeu seus lançamentos, ficou na fila para pegar um autógrafo, e não perde um só dos artigos que ele às vezes escreve nos jornais, ficaria decepcionada se o visse diante do computador, dizendo "ah, estou sem assunto", ou "estão faltando 20 linhas e não sei como vou terminar". Seria uma decepção.Ou nos atiramos de cabeça para o que der e vier, e é assim que, dizem, se deve viver, ou guardamos uma certa distância das coisas e, sobretudo das pessoas, para poder continuar preservando alguma ilusão diante da vida, Mas será por aí? E será que vale a pena?"
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