Estava lendo o blog de Elaini@ e encontrei esse texto, que repasso pra vocês...achei interessante, não só pelo tema em si, como também pela informação cultural que ele nos dá.
"Em outubro de 2007, tive a chance de, ao fim de uma longa viagem de trabalho, ficar alguns dias em Paris na casa de uma amiga. Naquela oportunidade, planejava visitar o Musée d’Orsay – lar que hospeda acervo representativo do impressionismo europeu e inclui algumas obras de um dos meus pintores favoritos, Van Gogh. Fui sozinha e resolvi me juntar a uma visita guiada que estava prestes a começar. De repente, eis que entramos em uma sala e nos deparamos com esta grande vagina.
Minha primeira reação foi achar o vinho da noite anterior começara finalmente a fazer efeito…
Era, no mínimo, estranho encontrar uma vagina exposta de forma tão direta, pois, embora o pênis seja representado com certa frequência, isso não ocorre com o corpo feminimo. Descobri aquele dia que a tela era de Gustave Coubert, fora pintada em 1866, mas apenas em 1988 veio a ser exposta ao público, passando ao acervo do museu em 1995 (antes, pertencia à família do psicanalista Jacques Lacan).
Foram necessários mais de cem anos para que uma tela com a representação de uma vagina pudesse ser exposta abertamente – fato que ilustra de forma perfeita a dificuldade da sociedade de discutir abertamente o corpo da mulher, este desconhecido que não poderia estar mais presente (ao se chamar “A Origem do Mundo”, mais uma vez, o quadro de Coubert não poderia ser mais representativo).
Justamente por esta razão e por todos os problemas decorrentes, já há algum tempo, desejava escrever sobre a vagina e o clitóris, mas a oportunidade não surgia – o que ocorreu hoje.
Exceto por uma conversa em que minha mãe me mostrou uma camisinha, logo nos primeiros anos escolares, nunca mais realmente conversamos sobre meu corpo ou sexo. De fato, acho que nunca ouvi minha mãe falar a palavra “orgasmo”; e as mensagens que transmitia, devido mesmo à sua história de vida, não poderiam ser mais negativas.
Embora tenha crescido num ambiente familiar assim repressivo, complicado e sem comunicação, devido à presença de inúmeros livros em casa, dentre os quais, uma enciclopédia sexual, tive contato muito cedo com as descrições mecânicas do corpo do homem e mulher e do ato sexual.
Para desespero de minha mãe, quando criança, gostava de me tocar e lembro-me disso justamente em razão de suas reações. Meu desenvolvimento físico foi bastante rápido, com dez anos já menstruava e aos 12 começava os primeiros namoros, mas somente aos 21, por vários motivos, tive minha primeira relação sexual.
Como sempre fui curiosa em relação ao meu corpo (sim, com o espelho é possível ver-se), “tinha todo um conhecimento adquirido” e masturbava-me desde os 14 ou 15 anos, achava que sentir prazer nas relações sexuais seria algo muito simples e natural – ninguém havia me avisado o quão complicada é a coisa na prática.
Descobri que sentia muita dor, por mais calma que o meu parceiro tivesse.
Em consulta à ginecologista, descobri que tinha uma pequena ferida no colo do útero, tratada, foi-se a ferida, mas a dor ficou. Sem nenhum problema físico constatável, depois de algum tempo, desisti das relações sexuais – não valia a pena.
Por um lado, não foi tão difícil, pois, desde os 18 anos, lutava com uma depressão profunda, a qual ataca diretamente a libido e somente quando estava bem tinha vontade. Por outro lado, parecia-me contraditório o fato de eu ser capaz de chegar ao orgasmo com a masturbação, mas sentir tanta dor com a penetração – afinal, não sou planária nem nenhuma espécie do gênero.
Somente aos 30 anos descobri que a minha dor não era física, mas decorria da experiência de violência doméstica com a qual havia crescido.
Tendo crescido com o jeito “hollywood” de ser, não imaginava que transar “sua”, tampouco imaginava que levava comigo para a cama, contra a parede ou no chão minha história de vida.
A mulher que passa por violência pode desenvolver algo que se chama “vaginismo”, a contração involuntária da musculatura da pélvis que dificulta a penetração e torna dolorosa a relação sexual.
Não fui vítima de estupro, não se preocupem, mas o fato de ter testemunhado tanta violência ao longo do meu crescimento, fez com meu corpo inteiro ficasse permanentemente num estado de tensão – o que só fui descobrir ao adquirir consciência do meu próprio corpo: o problema na articulação temporo-maxilar (ATM), o fato de andar sempre com o bumbum contraído, os ombros e, finalmente, a vagina.
O fato de ter consciência da causa, entretanto, não implica a cura automática dos problemas que nos afligem – e saber o que acontecia comigo foi apenas o início de um processo de recuperação. Ao longo de toda história, contudo, espantou-me como minhas amigas em geral conhecem nada de seu próprio corpo.
Lembro-me, perfeitamente, de quando, no início de minha sexual, ao comentar com algumas amigas como não sentia o que “deveria” sentir, respondiam-me que também elas não sentiam, e por outro lado nunca haviam comentado isso.
Espantam-me ainda aquelas que acham que sua vagina é suja e o seu cheiro nojento – como é possível alguém sentir-se assim com relação ao seu próprio corpo? Além disso, se a pessoa se sente desta forma com relação a si mesma, como se sentirá seu parceiro?
Uma das cenas de que mais gostei quando vi a montagem da peça “Diálogos da Vagina”, em São Paulo, foi aquela em que uma das personagens narra seu encontro com um parceiro que gostava de olhar para sua vagina. Achei genial – o que me leva à questão seguinte: qual o papel do parceiro com relação ao corpo da mulher que passou por este tipo de experiência?
Sim, encontramos por todo lado receitas mil de como levar o parceiro à loucura, mas estas, em geral, restringem-se a sucessões de posições físicas – onde fica toda a parte emocional da relação?
Da mulher que foi vítima de estupro ou de tentativa e, diante da aproximação, contrai-se com receio de reviver a experiência?
Da mulher que viu seu pai bater em sua mãe e sente-se violada ou subjugada com a penetração?
Da mulher que acha que o seu corpo pode ser sujo e esqueceu de passar o “desodorante” antes de sair de casa? Aliás, desodorante de vagina é um produto que deveria ser proibido por lei.
Isabel Allende uma vez disse que a mulher tem dois pontos G: um de cada lado da cabeça. Isso presssupõe, contudo, que ela se aproprie do seu corpo de mulher e de sua liberdade."
Beijaummmmm
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